— Me ajuda aqui?
— Quer mais?
Inteiro, ele estava ali, inerte.
Nem lembrava mais ao certo, desde quando.
A vida seguia quase sem pontuação, sem cadência. Sua existência tinha ficado mesmo rasa.
A única coisa que ainda vicejava eram seus olhos e sua boca, suculentos por algum tipo de surpresa, por um susto qualquer que interceptasse a expectativa do sempre igual.
Nas primeiras vezes, ao vê-la arrumar seu quarto, com toda calma e diligência, ele não ligou, ficou indiferente.
— Você me pega o celular, por favor?
— Qual é o número que você quer que eu disque?
— Para a minha mãe, tá gravado.
Aos poucos, na medida em que foi percebendo que aquela presença silenciosa estava engordando seus dias, começou a observá-la com mais apuro, com interesse. Os seus gestos mais miúdos, mais repetitivos eram aqueles que mais o atraíam. O jeito que agachava para recolher os papéis, a forma metódica de empilhar os livros, a sobriedade com que posicionava as poltronas, a obsessão pelo enquadramento das gravuras.
Sacudido por esta delicada conexão, a indolência voluntária que o seu corpo impôs ao seu desejo, foi quebrando-se. E, em um daqueles dias aparentemente mornos ao ouvi-la entrar em sua casa para cumprir com o seu ofício, com a retidão de costume, ele foi arrebatado por uma força indomável que restituiu a umidade que seu corpo havia contido. Ela, ao empurrar a maçaneta e abrir a porta de seu quarto, foi recebida por ele com uma expressão mais solar do que o de costume, mas com sua pergunta de praxe:
— Você já chegou?