A experiência da escrita

Não há, para mim, imagem mais precisa sobre o desejo/prática da escrita do que a ação que o verbo escorchar alude. A escrita é, portanto, um ato voraz de tirar a casca e a carcaça das coisas, raspando, mitigando, triturando e perfurando os seus sentidos. Ela é desejo de superação de fronteiras, de experimentação de territórios, de vínculos insuspeitos. A escrita nunca se coloca como um momento de suspensão, de trégua, de pacificação. Pelo contrário, ela é uma espécie de britadeira nervosa e barulhenta que busca escandir toda e qualquer plataforma uniforme e continente. Ela, para mim, é arar e cultivar terrenos – virgens ou devastados - com as palavras, através de um trabalho ardiloso no âmbito corporal, sensorial e intelectual.

Na e pela escrita consigo roçar com o risco. A escrita é, portanto, um pacto que estabeleço, em absoluto silêncio e sem alarde, com a ousadia.  A devassa por novos territórios – sensíveis e materiais - pela escrita sustenta-se através de um jogo sensual com as palavras, onde busco brincar com suas filiações originárias, levando-as a experimentar novas parcerias e alianças. As palavras, pelas quais manifesto profunda adoração e deferência, são as minhas bússolas e também âncoras que me referenciam no mergulho da escrita.

O trabalho com a escrita é sempre o meu ponto de inflexão, nunca ponto de partida. Resultante de um longo processo de engravidamento e cultivo, a minha escrita materializa-se quando há uma vida prenhe e borbulhante gritando para ganhar existência e lugar. Esta escrita, urdida na pequena distância e em certo silêncio, de forma intermitente, não busca rivalizar nem, por outro lado, reverenciar a vida. A leitura e a escrita, participam, na mesma intensidade e medida, do meu desejo de engordar a leitura sobre o mundo, possibilitando vazar suas excrescências, excessos, camadas e tonalidades.