Formação familiar

Primogênita de uma família de profissionais liberais de classe média judaica – minha mãe, filha de imigrantes judeus romenos e poloneses, nascida no Brasil e, meu pai, filho de judeus poloneses e russos, ele próprio imigrante proveniente da Alemanha em um dos últimos contingentes a conseguir escapar do país – tive uma educação laica e liberal.

Arquiteto por profissão e paixão, meu pai integra uma geração que abraçou, sem reservas, as premissas éticas e estéticas da Arquitetura moderna. Minha mãe, por sua vez, bacharel em Direito pela Faculdade São Francisco da USP, não exerceu a advocacia e fez uma segunda formação em Letras, dedicando-se à docência da língua inglesa para crianças, vocação revelada aos 18 anos como professora de uma escola judaica de ensino fundamental.

A passagem pelo Ginásio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem/ GIBSA no segundo ciclo do Ensino Fundamental (6 ao 9 ano) foi igualmente determinante para a afirmação de valores humanistas e pluralistas cultivados em meu ambiente doméstico. Como braço pedagógico de uma sociedade cultural progressista intitulada Instituto Cultural Israelita Brasileiro/ICIB, popularmente conhecido como “Casa do Povo”, o “Scholem”, singularizava-se em relação às demais instituições judaicas de ensino. Além da insígnia de ter sido uma das primeiras escolas construtivistas do Estado de São Paulo, defendeu posições frontalmente contrárias à ideologia sionista e engajou-se, visceralmente, com as questões sócio-políticas brasileiras, sem, não obstante, abdicar do projeto de construção de uma identidade judaico-brasileira. 

Tais marcas fundantes acrescidas à realização de um intercâmbio na Inglaterra durante a adolescência foram decisivas para a consolidação de um traço subjetivo, que pode ser nomeado como “investigativo”. O entusiasmo manifesto posteriormente pela discussão engendrada pelo campo teórico- metodológico da História oral, revelada no contexto do Setor de História da Companhia de Gás de São Paulo, marco inicial de minha vida profissional, em 1986, pode encontrar neste passado uma possível justificativa. 

Mosaico da Família Perelmutter: Aida, Benno, Daisy, Dora, Fernando e Matheus

Família Perelmutter: Aida, Benno, Daisy, Dora, Fernando e Matheus


Formação acadêmica

mestrado

graduação

Bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1984.

O ingresso no curso de Ciências Sociais da FFLCH/USP, em 1981, pode ser sintetizado como um período solar, de grande intensidade intelectual, afetiva e cognitiva. Aulas, textos, grupos de estudo, festas, filmes, manifestações, movimentos, engajamentos. Tudo vivido com voracidade máxima e economia mínima.

Em paralelo ao fértil ambiente universitário, a realização de três estágios em diferentes instituições foi também importante para o meu processo de amadurecimento profissional: SEADE - Central de Dados e Referências/CDR , ajudando a analisar indicadores de educação, saúde, moradia e lazer no Estado de São Paulo (1981); DIEESE, trabalhando como pesquisadora de campo em um estudo sobre o orçamento doméstico e a alocação de recursos diários (1982) e, por último,  Secretaria de Planejamento do Município/SEMPLA, realizando uma pesquisa de campo com os moradores do bairro da Freguesia do Ó, com o objetivo de detectar as melhorias que aspiravam para o bairro e, também, contribuindo para o projeto de políticas públicas em prol dos direitos da mulher a partir da elaboração de um manual de direitos da mulher (1983-1984).

O encerramento deste ciclo estudantil juvenil, em 1984, coincide com um dos momentos emblemáticos da história política recente do país, que foi o movimento pelas Diretas Já. Medo e promessa se imiscuem nesta virada e entrada na vida jovem adulta.  

Mestre em Psicologia Clínica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1997. Dissertação defendida: ‘A História Oral e a trama sensível da subjetividade’, sob a orientação da Profa. Dra. Suely Rolnik.

Realizada entre 1993 e 1997, a pesquisa História oral e a trama sensível da subjetividade foi desenvolvida no Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade do Departamento de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC/SP, sob a orientação da Profa. Dra. Suely Rolnik. Estruturada a partir de inquietações oriundas da experiência prática com a formação do acervo de fontes orais edificados no Museu da Imagem e do Som, entre 1989-1995, o trabalho buscou problematizar a questão da subjetividade na discussão teórico-metodológica da História oral. Referendando-se pelo corpo conceitual da Filosofia da Diferença/Esquizoanálise, procurou afirmar o potencial do método para os estudos e pesquisas das formas contemporâneas da subjetividade e como dispositivo de singularização. Estruturou-se a partir de três grandes blocos: contextualização histórica da História oral e o tipo de enfrentamento com a questão da subjetividade que vem sendo travado no seu interior; discussão sobre a afinidade entre a História oral e a Filosofia da Diferença/Esquizoanálise, a partir do destrinchamento dos pressupostos de ambos, e, por último, a descrição de algumas experiências práticas com História oral interpretadas a partir da teoria de subjetividade implícita a este corpo conceitual.   

 

Doutorado

especialização em história oral em essex

Especialização em História Oral no Departamento de Sociologia da Essex University/Colchester-UK, setembro de 1991- abril de 1992.

Efervescente política e culturalmente, desde a sua fundação, nos anos 60; com forte viés esquerdizante e corpo discente multicultural, a especialização no Departamento de Sociologia da Universidade de Essex, que reúne grandes nomes da Sociologia britânica, marca a minha retomada de trabalho com o pensamento.  

Distanciar-se das exigências e urgências da experiência prática e conhecer panoramicamente as diferentes questões e impasses que a história oral apresenta, em cada contexto específico em que é chamada a intervir, enriqueceram minha bagagem como pesquisadora. No leque de conteúdos trabalhados, destaco: a história do florescimento da história oral na Inglaterra e nos Estados Unidos; o diálogo constante e controverso entre o esforço da história e o empenho da memória em reconstruir o passado; a história oral como um dispositivo de ação afirmativa com a população de terceira idade, uso popularmente difundido na Grã-Bretanha; a discussão sobre os limites éticos na produção, interpretação e difusão do depoimento; a formação de arquivos públicos de história oral e os procedimentos técnicos para a sua edificação; a interface entre a História e a Psicanálise explicitada pela prevalência da subjetividade no documento oral; o papel político e transgressivo da história oral em países com forte tradição totalitária, buscando diferenças e singularidades ao invés de recorrências e consensos no tecido social da memória; a imbricada relação entre a memória e o gênero narrativo no documento oral.

A temporada de um semestre em Essex também sedimentou as bases de uma pesquisa a qual vim desenvolver , de fato, no ano seguinte (1993) com financiamento integral do Conselho Britânico: o intercâmbio com museus e arquivos britânico – Welsh Folk Museum/Cardiff-País de Gales; North West Sound Archive- Clitheroe/Inglaterra; The People´s Story – Edimburgo/ Escócia; Southampton City Museum – Southampton/ Inglaterra; Ethnic Community Museum – Londres/Inglaterra e Black Museum – Londres/Inglaterra.

Doutora em História Social pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 2004. Tese defendida: ‘Intérpretes do Desassossego – memórias e marcas sensíveis de artistas brasileiros de ascendência judaica’, Profa. Dra. Denise Bernuzzi de Sant´Anna. (orientação).

Realizada entre 1999 e 2004, a pesquisa Intérpretes do Desassossego – memórias e marcas de artistas brasileiros de ascendência judaica foi desenvolvida no Programa de Estudos Pós-Graduados em História Social da PUC/SP, sob a orientação da Profa. Dra. Denise Bernuzzi de Sant´Anna. A tese reuniu memórias de artistas brasileiros de ascendência judaica – privilegiando a primeira geração nascida no Brasil – com o objetivo de identificar a singularidade das marcas judaicas legadas e a intensidade com que reverberavam na sensibilidade contemporânea de cada um. A opção pelas memórias de artistas deveu-se à hipótese de que o processo criativo exige um trabalho de questionamento constante sobre as bases culturais que fabricam as certezas e incertezas do presente. Por conseguinte, a família e o judaísmo são tomados como ponto de partida de um processo de produção subjetiva no qual as inscrições judaicas não são absolutas e travam diálogo com muitas outras expressões culturais e conteúdos exógenos ao campo problemático judaico.

O trabalho procurou aprofundar a compreensão sobre a dimensão histórica do processo de constituição da subjetividade (individual, coletiva e de massa), balizando-se pela concepção cunhada por Gilles Deleuze e Félix Guattari, segundo a qual a subjetividade é indissociável do social e é a matéria-prima que está na base de todas as ações e faculdades psíquicas – pensar, sentir, sonhar, lembrar. Portanto, a memória não é refratária à plasticidade da trama subjetiva, mas, sim, uma dentre as múltiplas expressões através das quais é possível vislumbrar a esfera sempre móvel e inacabada da subjetividade.

O instrumental teórico sobre memória adveio da visão de Walter Benjamin, que fornece o lastro e inspiração para a pesquisa, tanto no que diz respeito ao conteúdo, como na estrutura da escrita desta história. Apoiando-se inteiramente em fontes orais produzidas segundo os procedimentos que consubstanciam a metodologia de história oral, a pesquisa é também (e fundamentalmente) uma discussão sobre as potencialidades e limites do método de história oral para rastrear os componentes da subjetividade.