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ONGs em São Miguel Paulista

 

Associação Comunitária Meninos de São Miguel

Endereço: Rua Edson Pinto, 701 – Vila Nova União

Telefone: (11) 6976-7786

E:mail: amara.figueiroa@yahoo.com.br

Público-alvo: crianças a partir dos 07 anos, senhores a partir dos 55 anos de idade, mas atende preferencialmente jovens entre 16 e 25 anos.

Projetos e atividades: Qualificação profissional; Construção civil e turismo; Esporte social; Alfabetização de jovens e adultos; Recreação nas Férias; Grupo de Jovens; Grupo da Melhor Idade – Bom te Ver.

 

Discrição, despretensão, suavidade, simplicidade: essas são algumas das qualidades mais evidentes quando adentramos no espaço diminuto da Associação Meninos de Sâo Miguel. A rusticidade de suas instalações e a modéstia do discurso de sua gestora não correspondem, de fato, à grandeza das metas almejadas e dos projetos desenvolvidos. Sem alarde ou euforia, mas movida por uma espécie de determinação “sertaneja”, que equivale a mirar seus objetivos e não se deixar sucumbir pelas adversidades e obstáculos, é assim que a Associação parece ser gerenciada. Nas palavras de Amara Figueiroa, sua presidente: “As dificuldades vêm para que se tenha a luta e sem a luta não há vitória”.

A militância em prol do bem-estar social da comunidade de Unidos de vila Nova é o que cimenta os projetos desenvolvidos pela entidade. Há uma percepção de que o bem-estar pode ser proporcionado de diferentes maneiras: pelo esporte, lazer, a qualificação profissional, a alfabetização tardia, pelo simples encontro entre as pessoas. E apesar da situação da Associação de São Miguel agregar diferentes projetos, há entre eles uma articulação. O investimento na qualificação pode ser pensado como o fio invisível que alinha as ações; em todas elas vemos a necessidade de ir além, conhecer mais, ultrapassar fronteiras.

Com o seu olhar agudo e sua fibra de líder comunitária, Amara Figueiroa chegou a União de Vila Nova em 1991, pouco tempo depois da formação do bairro, no momento em que as famílias que para lá se deslocaram enfrentavam toda sorte de precariedade. Instalou-se, conectou-se e, a partir da sua observação, mapeou as áreas menos assistidas e de maior carência. Desde então, a Associação Meninos de São Miguel vem trabalhando para alicerçar a comunidade de diferentes maneiras, buscando diminuir a sua situação de vulnerabilidade e exclusão. No entanto, foi a partir dos anos 2000, que as ações e intervenções da organização ganharam fôlego e se estruturaram a partir de programas conveniados com o poder público e com organizações da sociedade civil. Os bons resultados já obtidos revelam que esses investimentos produzem, em um curto espaço de tempo, transformações substantivas na capacitação individual e na mobilização coletiva. Como sintetiza Amara Figueiroa: “ Você cuida e ali na frente vê o resultado”.

Apostando na prosperidade e no crescimento econômico do bairro oriundo do processo de reurbanização pelo qual passa a união de Vila Nova, o programa Qualificação Profissional busca capacitar jovens e adultos para áreas nas quais existe grande procura por mão de obra na cidade de São Paulo, tais como: pedreiro e azulejista; eletricista e encanador; mestre de obras, pintor gesseiro; padeiro e confeiteiro; porteiro; cozinheira, camareira; almoxarife. A idéia de identificar no trabalho qualificado a saída possível para a exclusão social tem dado provas concretas de sua pertinência. Grande parte dos trabalhadores empregados nas obras realizadas pelo CDHU é hoje moradora do bairro de Vila Nova União. O desemprego, que também constava como um dos maiores problemas enfrentados pela comunidade, vem, aos poucos, deixando de ocupar, no ranking das carências, o topo da longa lista.

Há também uma forte preocupação da entidade com a inclusão social das crianças e jovens que se encontram em situação de risco social. O programa Esporte Social, desenvolvido em parceria com o Instituto Acqua (organização da sociedade civil que atua em projetos de cidadania e qualidade urbana e ambiental), tem como objetivo fomentar e democratizar o acesso á prática esportiva e de lazer, com caráter educacional, com idade entre 07 e 18 anos. A idéia é promover, através de diferentes modalidades esportivas – futebol, futesal, basquete, capoeira -, a inclusão social e a saúde; os valores morais e cívicos; a valorização das heranças culturais; a conscientização de princípios socioeducativos; conhecimento de direitos e deveres; a solidariedade; aprimoramento do desenvolvimento psicomotor e melhora do condicionamento físico.

Apesar de a Associação Meninos de São Miguel ter conseguido com seus parcos recursos e sua equipe enxuta arregimentar a confiança e a participação da comunidade, o trilho que ela busca seguir ainda apresenta inúmeras barreiras e sinuosidades. O que não impede e nem enfraquece o desejo de permanecerem na luta e sonharem com a vitória.

 

Pontos Fortes:

  • Capacitação profissional de jovens em áreas onde há uma grande oferta de empregos na cidade de São Paulo.
  • Qualidade do diálogo com a população jovem e credibilidade conquistada.
  • Disponibilidade para amparar socialmente a população, buscando suprir algumas dessas necessidades e encaminhando-as para outras organizações competentes.

Desafios:

  • Construir uma sede própria para o desenvolvimento de seus programas.
  • Criar canais de comunicação e divulgação que dêem visibilidade para o trabalho desenvolvido.
  • Criar condições para o desenvolvimento de uma Feira Cultural, valorizando as tradições regionais da comunidade de São Miguel, predominantemente nordestina.

Instituto Alana

Endereço: Rua Erva-Sereno, 548/Rua Borboleta Amarela, 481 – Jardim Pantanal

Telefones: (11) 2585-7646/ (11) 2586-4559

E:mail: comunicação@alana.org.br

Público-alvo: de bebês a idosos

Projetos e atividades: Núcleo de Recreação e Cultura/Nureca; Centro de Educação Infantil/CEI; Núcleo de Iniciação Profissional/NIP; Núcleo de Ação Social/NAS; Núcleo de Convivência do Idoso/NCI; Biblioteca Guilherme Fiúza; Ação Comunitária, Serviço Social; Saúde; Centro de Formação Alana; Projeto Cine Alana; Banda Alana; Serviços de enfermagem; Jornal Espaço Alana.

 

Núcleo promotor de cidadania em um território desassistido e abandonado pelo poder público, o projeto Espaço Alana persegue e almeja o desenvolvimento cognitivo, ético, crítico, cultural e afetivo da comunidade do Jardim Pantanal. Atendendo em torno de 2000 pessoas por ano, busca fortalecer a comunidade para que exercite plenamente seus direitos e deveres e, com suas competências, seja capaz de assumir as rédeas de sua própria história.

O Espaço Alana, do Instituto Alana, sobressai na paisagem por ser o único equipamento socioeducativo de uma região que conta com cerca de 6000 famílias e tem como trsite emblema um dos piores índices sociais da cidade de São Paulo. Tendo iniciado suas atividades em 1994 como um pequeno núcleo de cultura, rapidamente, em função das grandes carências e demandas da população local, o Alana viu-se impelido a redefinir seu papel e ampliar seu escopo de atuação. O voluntarismo inicial foi logo superado e a instituição, a partir de 2002, assumiu o perfil, missão e compromissos através dos quais é hoje reconhecida. Como uma organização não governamental sem fins lucrativos, patrocinada por um grupo de empresários, toma nas mãos o desafio de atuar em múltiplas e distintas frentes. Entre eleas estão: educação formal (Centro de Educação Infantil/CEI); educação extraescolar mediada pela arte em suas diferentes linguagens (Núcleo de Recreação e Cultura/Nureca); programas de educação para o trabalho e reinserção profissional de adultos (Núcleo de Iniciação Profissional/NIP); programas de inclusão social e assistência psicológica e odontológica para a terceira idade (Núcleo de Convivência do Idoso/NCI); famílias e a comunidade de um modo geral (Núcleo de Ação Social/NAS). O compromisso com todas as faixas etárias e a oferta de serviços de excelência no amplo leque de atividades oferecidas fez o Instituto Alana uma referência para a população local.

Dentre os projetos culturais implementados, o Cine Alana e a biblioteca se destacam tanto pela qualidade da oferta quanto pela freqüência de moradores que conseguem mobilizar. O Cine Alana acontece todos os sábados, exceto em feriados e pontes, com uma sessão ás 14:00 (livre) e outra ás 16:00(para maiores de 14 anos). Cerca de 150 pessoas de todas as faixas etárias participam assistindo somente filmes recentes. A biblioteca, por sua vez, possui em torno de 4000 títulos e é a única da região. Com ponto de acesso á internet, seu acervo é constituído por livros, jornais, revistas e filmes. É uma biblioteca comunitária circulante que, além de seu acervo, promove atividades regulares, tais como: grupos de discussão, rodas de conversa, gincanas literárias, leituras compartilhadas e contação de histórias. A grande procura da Biblioteca é de crianças de 08 a 12 anos.

A instituição é cuidadosa quanto aos limites do atendimento pleno ao manancial de demandas e queixas que a comunidade carrega consigo. A angústia oriunda da impossibilidade concreta de responder integralmente ás necessidades desta comunidade é equilibrada pela convicção e certeza que as ações propostas produzem um diferencial no desenvolvimento individual e coletivo do grupo. Esse é o grande combustível que movimenta a engrenagem que o Instituto Alana consolidou na região.

A vitalidade da instituição transpira por suas instalações. O trânsito constante de crianças, jovens, adultos e idosos que coexistem no mesmo espaço dá a medida do dinamismo do Instituto e reflete a qualidade do trabalho feito nos seus bastidores: o investimento contínuo na qualificação e atualização de seu corpo funcional e a valorização da participação dos usuários nos rumos e redefinições dos programas. A preocupação com a formação de seus educadores é tão basilar que acabou agregando às responsabilidades do Alana mais uma atividade de grande expressão: o Centro de Formação, que busca atender todos os profissionais da área da educação da zona leste.

O sucesso das iniciativas do Instituto pode ser notado por meio de mudanças sensíveis nas formas de sociabilidade, na articulação verbal, na ampliação de interesses e repertórios, na autoestima, nos cuidados com a saúde e com o corpo, no desenvolvimento de habilidades próprias, na capacidade de resolução de conflitos, no diálogo e integração familiar, entre tantas outras expressões. O reconhecimento de grandes empresas privadas e do poder público, parceiros em vários projetos, é mais um aspecto que atesta a credibilidade e o lugar que o Espaço Alana conquistou junto á comunidade do Jardim Pantanal.

 

Pontos fortes:

  • Qualificação constante da equipe profissional.
  • Excelência do trabalho educativo.
  • Instalações físicas e equipamentos de alto nível apóiam o trabalho pedagógico e proporcionam bem-estar aos participantes.
  • Avaliações realizadas periodicamente determinam os próximos passos e investimentos.

Desafios:

  • Conquistar maior engajamento dos homens, pais de família, no processo de formação de seus filhos.
  • Manter um grupo de educadores cada vez mais afinados com os princípios e as metas do Instituto.

Kaikan – Associação Cultural e Desportiva Nikkei de São Miguel Paulista

Endereço: Praça São João de Cortes, 8 – São Miguel Paulista

Telefone: (11) 2297 1087

E:mail: acdnikkeisaomiguel@gmail.com

Público-alvo: Jovens e adultos de todas as faixas etárias

Projetos e atividades: Práica de Rádio Taissô (ginástica rítmica e alongamento); Aulas-ensaios de Canto de Música Folclórica Japonesa e Instrumentos Musicais Japoneses; Aulas-ensaios de Dança Folclórica Japonesa e Dança Típica Japonesa; Ginástica Chinesa Lian-Gung; Aulas-ensaios e prática de Taikô (tambor japonês); Aulas-ensaios e prática de Yasakoi Soran; Aulas-ensaios e prática de Karaokê (canto); escola de idioma japonês; Prática de Gateball; Reunião de Senhores e Senhoras do Departamento de terceira Idade e do Departamento de Senhoras; festival de Apresentação Artística com comida típica japonesa; realização de campeonatos de Canção Folclórica Japonesa (Mynio) e de karaokê; Festival do Taikô; Festa de Sukiyaki; apresentações artísticas; eventos beneficientes para arrecadação de verbas para outras entidades; Campanha mensal de leite longa vida; Gincana Poliesportiva; Disponibilização de uma sala de inclusão digital na sede da Associação; Aplicação de acupuntura; Participação em campanhas de saúde e doação de sangue.

 

Instalado na antiga Praça da Paz, atual São João de Cortes, a Associação Cultural Desportiva NIKKEI de São Miguel Paulista, conhecida na comunidade como Kaikan, é uma das entidades mais tradicionais da região, onde atua desde 1952. Com sede própria e mantida por meio de anuidades simbólicas e contribuições, a instituição tem hoje em torno de 700 associados.

Como um espaço recreativo e cultural que busca valorizar práticas, saberes e rituais da cultura japonesa, estreitando os vínculos comunitários da colônia e seus descendentes, o Kaikan funciona como um espaço de resistência ao afastamento entre as novas gerações e a tradição de seus antepassados. São muitos os fatores que justificam esse distanciamento: casamentos interétnicos, deslocamentos dos locais onde se concentra a comunidade, alta de tempo e mesmo desinteresse em relação á herança oriental. O Kaikan busca criar esse espaço de pertinência, sem vulgarizar a cultura tradicional nem transformá-la em tesouro intocável, inacessível ao cidadão comum. A beleza da instituição está no seu compromisso genuíno com a preservação desses conteúdos e com a sua transmissão.

A lista de atividades regulares e serviços que a Associação oferece é rica e extensa: Rádio Taissô (ginástica rítmica e de alongamento); Canto de Música Folclórica Japonesa e Instrumentos Musicais Japoneses; Dança Folclórica Japonesa (individual e coletiva); Dança Típica Japonesa; Ginástica chinesa Lian Gung; Aulas-ensaios e prática de Taikô (tambor japonês), de Yosakoi Soran e de karaokê (canto), prática de Gateball (esporte de origem japonesa); Língua Japonesa; Acupuntura e Grupo de Senhoras/Senhores do Departamento de Terceira Idade e Senhoras do Departamento de Senhoras; Departamento de Jovens e festa em homenagem aos idoso com atrações artísticas.

No atual contexto, é a população acima de 65 anos que participa mais ativamente da associação. Em função disso, há uma preocupação constante com diferentes questões de qualidade de vida e prevenção a doenças. Além dos serviços de acupuntura a partir da técnica chinesa intitulada auriculoterapia (utilização de sementes de mostarda), o Kaikan realiza a vacinação de idososo contra a gripe e participa das campanhas do Mutirão da Mamografia da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, da campanha médico-itinerante da beneficiência Nipo-Brasileira e da campanha da coleta de sangue para Colsan.

A culinária, como em tantas outras culturas tradicionais, é um elemento impprtante para a reafrimação da identidade cultural japonesa. No Kaikan, ela permeia todas as atividades de maneira informal, como na prática das mulheres que freqüentam o curso de dança folclórica japonesa, que partilham suas habilidades gastronômicas em singelos almoços coletivos.

Embora o Kaikan esteja localizado em uma pequena praça no extremo leste da cidade de São Paulo, muito longe do bairro japonês da Liberdade, pode-se perceber o respeito e a reverência que a associação desperta na comunidade quando abre suas portas para a realização de sua festa de Sukiyaki (comida típica japonesa á base de verduras), Yakissoba, Udon (macarrão ensopado), do campeonato de karaokê e do Minyo, festival de Taikô e atrações artísticas. Em reconhecimento á atuação da colônia na região, a praça São João de Cortes está sendo transformada em Praça Japonesa pela Subprefeitura de São Miguel.

A contribuição do Kaikan para o intercâmbio entre as culturas brasileira e japonesa também ocorre na direção contrária, quando a entidade leva suas atividades para as ruas. Isso acontece, por exemplo, por ocasião da festa japonesa com apresentações artísticas e comidas típicas em homenagem ao aniversário de São Miguel. É notável o interesse que a cultura oriental desperta na comunidade de São Miguel Paulista, que tem como singularidade uma grande migração oriunda do Norte e Nordeste brasileiro. Essa composição cultural, marca registrada da experiência paulistana, está também fortemente presente nesta área da zona leste.

Tamanha diversidade nos leva a constatar que vivemos em uma sociedade verdadeiramente multicultural, na qual somos expostos, a todo momento, a diferentes ingredientes de uma salada geral, podendo misturá-las de múltiplas maneiras. O Kaikan está lá, um pouco longe do centro, sem grandes holofotes e brilhos, mas em um espaço onde podemos e somos convidados a experimentar um pouco do sabor agridoce dessa linda e milenar cultura.

 

Pontos fortes:  

  • Refinamento dos cursos e apresentações artísticas
  • Cuidado e respeito pelos valores, práticas, saberes e rituais japoneses.
  • Boa receptividade aos membros que não fazem parte da comunidade japonesa.

Desafios:

  • Atrair novamente o público jovem e preservar a cultura milenar.
  • Incentivar jovens e adultos a participarem ativamente das atividades sociais e culturais da entidade.
  • Buscar patrocínio para aprimorar os projetos e melhorar as instalações físicas.

Vila Nova Solidariedade e Justiça

Endereço: Rua Japichaua, 312 – União de Vila Nova

Telefone: (11) 2214 7224

E:mail: ceiliriodovale76@yahoo.com.br

Público-alvo: crianças entre 0 e 4 anos e a comunidade em geral.

Projetos e atividades: Centro de Educação Infantil; liderança no processo de urbanização do bairro.

 

União é hoje sinônimo de mobilização, renovação e esperança. Bairro do Distrito de Vila Jacuí da Subprefeitura de São Miguel Paulista, espremido entre a linha da rede Ferroviária Federal e a Rodovia dos Trabalhadores, a antiga várzea foi aterrada e invadida no final dos anos 80 por cerca de 360 famílias. Passados vinte e poucos anos, hoje ocupam esse local aproximadamente 8300 famílias ou mais de 35.000 pessoas, na sua maioria, de origem nordestina. Durante um longo período a área sofreu com enchentes; falta de saneamento básico, iluminação pública e asfaltamento das ruas; ausência de espaços de lazer e recreação; insuficiência de escolas e creches; altos índices de criminalidade; taxas abusivas de desemprego e dificuldade de acesso. Triste enredo da vida nas periferias paulistanas que se repete á exaustão. Círculo vicioso de precariedades materiais, subjetivas, citadinas, afetivas e sensoriais.

No entanto, essa ordem perversa e reincidente foi subvertida em União de Vila Nova graças a um movimento germinado pela comunidade. A partir do momento em que o coletivo acordou da sua letargia e tomou as rédeas de seu próprio destino, lutando pela construção de uma história na qual existe sim a possibilidade do porvir, o cenário, até então, sem cor e sem poesia, ganhou uma nova configuração. A mobilização e a pressão comunitária resultaram em uma resposta enérgica por parte do poder público. Através de uma ação integrada do Governo do estado de São Paulo, foi elaborado um amplo programa de reorganização e urbanizaçãode toda a região que envolve um número expressivo de melhorias, entre elas: construção de moradias, implantação de redes de água e esgoto,  serviços de iluminação pública, pavimentação das ruas, paisagismo, circuitos de lazer, aumento do número de escolas. Essa transformação pela qual o bairro vem passando é observável em um rápido passeio pelas ruas agora asfaltadas de União da Vila Nova. Os novos conjuntos habitacionais, as novas escolas, o novo parque público e as primeiras casinhas já com suas fachadas pintadas de acordo com o projeto cromático assinado pelo arquiteto Ruy Ohtake, no Programa São Paulo de cara nova, expressam a revolução em plena ebulição.

A ONG Vila Nova Solidariedade e Justiça, na figura do pastor Wellington, está amalgamada com essa virada de página que a União de Vila Nova vem produzindo. Tendo participado ativamente de toda a gênese do processo de urbanização, em 1998, quando a CDHU realizou o primeiro cadastramento e diagnóstico da situação habitacional da comunidade local, a associação vem acompanhando, participando e monitorando todo o movimento, colocando-se como uma instância mediadora entre a população do bairro e o poder público. E é imbuído dessa missão que o Pastor Wellington zela pela aplicabilidade dos preceitos estabelecidos pelo grupo, para que as decisões assumidas pela comunidade sejam respeitadas e levadas adiante e para que novos projetos de melhorias sejam viabilizados na região. Muitos projetos foram esboçados, como um Centro de Triagem Zoonose, a criação de dois EcoPontos e de um viveiro de mudas para a arborização do bairro, a transformação do Parque Central em Centro Desportivo Comunitário/CDC, dentre muitos outros. A ONG zelará pela realização de todos eles.

Mas, se parece haver uma dimensão imaterial das realizações da entidade, dificilmente palpável, que consiste na supervisão silenciosa e diligente do processo de urbanização, há outro lado no qual a sua intervenção não poderia ser mais clarividente: o Centro de Educação Infantil Lírio do Vale. Como uma CEI conveniada com a Prefeitura do Município de São Paulo, a Lírio do Vale atende 155 crianças entre 0 e 4 anos. Com instalação especialmente adaptada para a população infantil; equipe numerosa e qualificada de educadores; abundância de mobiliário, equipamentos e material didático para a faixa etária em questão, a creche veio atender uma enorme demanda reprimida por serviços de educação de qualidade. Nestes seus dois anos de existência, a Lírio do Vale já se tornou uma referência para a população local. O comprometimento do pastor Wellington com o bem-estar social é a raiz que está na base desta militância. É o que nutre o fazer cotidiano, nas suas minúcias e nas suas grandezas, e os sonhos pelos quais a ONG ainda acredita ter que perseverar.

 

Pontos fortes:

  • Qualidade do diálogo com a população e credibilidade conquistada.
  • Capacidade de amparar socialmente a população.

Desafios:

  • Maior reconhecimento por parte do poder público do trabalho comunitário que está sendo desenvolvido.
  • Aumentar o comprometimento das empresas que atuam na região no sentido de oferecer oportunidades de emprego para os moradores. 

 

Anotações sobre coqueiros

Tantas vezes evocado em prosa, verso e música por nossos maiores compositores e intérpretes da Música Popular Brasileira, o Recôncavo Baiano suscita grande interesse e um misterioso fascínio. Se a mística criada por seus nativos ilustres contribui, de um certo modo, para fomentar a simpatia que a região engendra, basta uma primeira experiência in loco para verificar, sem muito esforço, que a sua fama é mais do que justificada. A presença imperiosa e magnânima do Rio Paraguassú,  a riqueza patrimonial das cidades de Cachoeira e São Félix, a vitalidade das manifestações culturais e dos saberes em circulação, são alguns dentre os múltiplos encantos que o Recôncavo oferece.

Coqueiros, uma espécie de bairro periférico do distrito de Maragogipe, insere-se neste contexto de pujança natural e simbólica, apesar da precariedade sócio-econômica de seu povoado e da infraestrutura de serviços disponíveis, ainda assim, “100% melhor do que antigamente”, segundo o relato de um dos ceramistas entrevistados. A insígnia da cidade como depositária de um saber-fazer singular e tradicional – a produção das cerâmicas utilitárias – transmitido de geração em geração, pode ser uma das explicações para o sentimento de altivez que a comunidade parece ser portadora. Apesar de seu insulamento e provincianismo, chamou-me atenção a tranqüilidade com que o povoado acolhe seus visitantes e passantes. Nem um interesse excessivo, que pode facilmente resvalar para uma relação vertical de subserviência, nem, por outro lado, recusa e aversão ao “outro” que constituem o caldo perverso para a xenofobia.

Cientes sobre a visita de um pesquisador enviado pelo Artesanato Solidário/ArteSol, o grupo de ceramistas, representado pela sua líder, Dona Cadú, me aguardava com prontidão e gentileza. A espontaneidade na recepção e o irresistível carisma de Dona Cadú, que esbanja jovialidade corporal e vigor intelectual no topo de seus 88 anos, foram determinantes para que eu me sentisse segura quanto à interlocução com os ceramistas.

A apreensão gerada pelas distâncias para com os meus entrevistados – regional, étnica, sócio-econômica, profissional, religiosa e etária, – e pelo então recente envolvimento com os projetos desenvolvidos pelo ArteSol, foi atenuada no meu primeiro contato com o grupo, realizado poucas horas depois de pisar em solo baiano.

Como em qualquer pesquisa de história oral, ao selecionarmos um elenco de protagonistas deparamo-nos, inexoravelmente, com diferenças e multiplicidades. O tom do relato -melancólico, eufórico, descritivo, lacônico, investigativo, jocoso, queixoso, bem-humorado, entre tantos outros possíveis – a maneira de estruturar a narrativa e compô-la, a fluência e musicalidade do depoimento, o nível de sensibilização do depoente frente às intervenções do historiador, a intensidade com que o entrevistado investe no pedido de rememoração e reflexão sobre a própria experiência, a maior ou menor gestualidade corporal, a maior ou menor expressividade facial, a tolerância ou não frente aos silêncios, as mentiras e imprecisões dos fatos narrados são alguns dentre os muitos dados (alguns mais evidentes do que outros) que revelam que o depoimento oral é sempre singular e que “fala” fundamentalmente da subjetividade. Não há como exilar e/ou esterilizar a subjetividade do documento oral. Sua onipresença passa a ser observada em toda a extensão do relato, nos conteúdos trazidos e na forma que ele assume.  Mas, afinal, não será este justamente o grande diferencial e aporte trazido pelo método de história oral para o conhecimento historiográfico, em outras palavras, conferir ao processo de produção subjetiva o caráter de objeto passível de investigação? Como afirma a historiadora Verena Alberti, a história oral é o “(... )terreno das diferentes versões e da subjetividade por excelência. Muitos não percebem, contudo, que a história oral tem o grande mérito de permitir que os fenômenos subjetivos se tornem inteligíveis – isto é, que se reconheça, neles, um estatuto tão concreto e capaz de incidir sobre a realidade quanto qualquer outro fato”. (Ouvir Contar – Textos em História Oral, FGV Editora, 2004, pg.09). No entanto, se a história oral nos dá a dimensão do valor e importância de cada indivíduo, ela também participa da consolidação de uma memória partilhada ao estabelecer um ethos comum que possibilita o estabelecimento de elos entre as várias trajetórias de vida.

Assim sendo, embora não tenha me defrontado com um script reincidente nos dez encontros realizados em Coqueiros (nove entrevistas com diferentes gerações de mulheres e apenas uma com um homem), entre os dias 12 e 17 de outubro de 2008, já que cada pessoa é um “amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados (Alessandro Portelli), houve uma disposição genuína comum a todo grupo em cooperar com a proposta. Com prudência e parcimônia, mas sem desconfiança.    

O pedido de curvar-se sobre si mesmo com o objetivo de resgatar memórias e vasculhar o sentido das experiências, razão de minha visita para Coqueiros, produziu, previsivelmente, uma espécie de “distração” no refrão que sintetiza o cotidiano das ceramistas, que permanecem de domingo a domingo trabalhando com o barro. Independentemente da maior malícia e destreza de alguns para a arte do diálogo, que evidencia, sem dúvida, personalidades mais exuberantes do que outras, lembrando-se que, sem exceção, todos sofreram as mesmas carências materiais e padecem ainda das mesmas adversidades, o que salta aos olhos e reverbera nos ouvidos é a função estruturante do barro. É a relação do barro que organiza o tempo, que permite a subsistência material, que favorece a sociabilidade, que confere legitimidade social, que dá lastro para a vida familiar. O barro é uma extensão do próprio corpo, e não há como se manterem clivados deste contato, relataram todos eles, cada um à sua maneira. Assim sendo, a linguagem que melhor sintetiza estas experiências de vida, mais do que a oral é, sem dúvida, a corporal. Impossível não se sensibilizar com a beleza e a integridade destas pessoas, ao presenciar a expressividade e bailado que fazem com as mãos, a desenvoltura das pernas, no recorrente levantar/agachar/sentar a que o trabalho obriga e o gingado de seus movimentos que transportam suas peças para expô-las ao sol e ao vento. A tradição ainda está viva e vibrátil e, portanto, ela prescinde de narração.

Mas se, por um lado, este vínculo visceral com o barro opera como marco social, pontilhando as memórias fugidias já que infância, juventude e maturidade aparecem de uma maneira turva e imprecisa, por outro ele aparece como interdito, é o que não pode ser transmitido para os “modernos”, como as ceramistas mais velhas se referem aos jovens. Há uma lucidez impiedosa sobre as dificuldades e mazelas relacionadas ao ofício: do momento da compra da matéria-prima, feita coletivamente, até a queima a céu aberto, realizada pelo grupo de mulheres (ressalto o gênero já que é eminentemente uma atividade feminina), em uma espécie de cerimonial religioso. O barro é o que dignifica as mulheres no presente, mas o barro não é, definitivamente, promessa de futuro, bonança e prosperidade. Ao interpelá-los sobre sonhos e utopias para o futuro, alguns se esquivaram do direito de sonhar, como se esta faculdade não estivesse ao alcance de suas possibilidades. Há uma resignação passiva à vida tal como ela se apresenta. Nos discursos mais engajados, por outro lado, há um pudor quanto á transmissão do ofício para as gerações seguintes. A mácula impregnada ao trabalho alui qualquer horizonte de ascensão social, econômica e cultural.

Nunca é excessivo alertar que as memórias e enredos colhidos decorrentes do diálogo estabelecido no contexto específico de comunicação entre pesquisador e entrevistado são sempre verdades parciais. Todo documento oral é sensível às diversas contingências em jogo. Desde interferências prosaicas como uma noite mal-dormida, uma cadeira desconfortável, um ruído insistente vindo da rua, até obstruções mais profundas como a existência de um grande trauma, a ausência de empatia com o tema e com o interlocutor. Assim sendo, o historiador que trabalha com fontes orais tem que aceitar humildemente os limites tácitos impostos por cada contexto específico, libertando-se do ideal positivista de apreensão total do sujeito/objeto investigado. Como adverte a filósofa Jeanne-Marie Gagnebin, “nem a beleza do mundo nem o sofrimento podem verdadeiramente ser ditos” ( Teologia e Messianismo no pensamento de Walter Benjamin, Estudos Avançados, n.37)

Por tudo isto, ao contrário do pesquisador que se debruça sobre a documentação escrita ou iconográfica, que luta para não ser sucumbido ou assombrado pela morbidez do passado e pelo fantasma da ausência, o pesquisador que se engaja com o método de história oral se defronta como seu avesso, com o excesso de vitalidade do presente e com a pujança da presença. Este pode ser uma das razões do feitiço que a prática de história oral provoca: a velocidade e a intensidade com que nos atira em universos desconhecidos.  Este convite feito corpo a corpo parece ser muito mais contagioso e perfurante que um papel amorfo. O fato de nunca estarmos devidamente preparados para o encontro, já que ele sempre nos reserva uma surpresa que não somos capazes de vislumbrar previamente, torna impossível brecar a convulsão que estes novos afetos podem provocar em nossa existência (no corpo, na memória, na percepção, nas construções inconscientes, na vida social, na relação com o trabalho). O enfrentamento concreto com a problemática anunciada no contexto da entrevista diluiu a sensação abstrata e etérea que muitas experiências e coletivos “dissonantes” provocam.

Antes de finalizar estes apontamentos sobre a viagem para Coqueiros, gostaria, por último, de destacar alguns aspectos que dizem respeito à escuta, que, no delicado equilíbrio da experiência do diálogo, deve estar pautada pelo mesmo comprometimento e entrega que a fala. Escutar o outro na sua alteridade pressupõe a suspensão temporária das próprias necessidades, expectativas, projeções e demônios íntimos. A disposição de promover um hiato de si próprio, exilando-se do bunker interior no qual o sujeito se sente plenamente proprietário, é uma premissa para o sucesso da comunhão que se espera selar no ato da entrevista.

Se a minha rápida intervenção em Coqueiros produziu ou não ressonâncias sobre os meus entrevistados, é impossível mensurar. Contudo, a pesquisadora, que naquele momento estava ávida por novas paisagens visuais e subjetivas, foi brindada, neste seu breve interlúdio no Recôncavo, com uma experiência abrasadora – de trabalho e de vida, daquelas que suscitam, inevitavelmente, ao serem evocadas, o gostinho de “quero mais”.Tantas vezes evocado em prosa, verso e música por nossos maiores compositores e intérpretes da Música Popular Brasileira, o Recôncavo Baiano suscita grande interesse e um misterioso fascínio. Se a mística criada por seus nativos ilustres contribui, de um certo modo, para fomentar a simpatia que a região engendra, basta uma primeira experiência in loco para verificar, sem muito esforço, que a sua fama é mais do que justificada. A presença imperiosa e magnânima do Rio Paraguassú,  a riqueza patrimonial das cidades de Cachoeira e São Félix, a vitalidade das manifestações culturais e dos saberes em circulação, são alguns dentre os múltiplos encantos que o Recôncavo oferece.

Coqueiros, uma espécie de bairro periférico do distrito de Maragogipe, insere-se neste contexto de pujança natural e simbólica, apesar da precariedade sócio-econômica de seu povoado e da infraestrutura de serviços disponíveis, ainda assim, “100% melhor do que antigamente”, segundo o relato de um dos ceramistas entrevistados. A insígnia da cidade como depositária de um saber-fazer singular e tradicional – a produção das cerâmicas utilitárias – transmitido de geração em geração, pode ser uma das explicações para o sentimento de altivez que a comunidade parece ser portadora. Apesar de seu insulamento e provincianismo, chamou-me atenção a tranqüilidade com que o povoado acolhe seus visitantes e passantes. Nem um interesse excessivo, que pode facilmente resvalar para uma relação vertical de subserviência, nem, por outro lado, recusa e aversão ao “outro” que constituem o caldo perverso para a xenofobia.

Cientes sobre a visita de um pesquisador enviado pelo Artesanato Solidário/ArteSol, o grupo de ceramistas, representado pela sua líder, Dona Cadú, me aguardava com prontidão e gentileza. A espontaneidade na recepção e o irresistível carisma de Dona Cadú, que esbanja jovialidade corporal e vigor intelectual no topo de seus 88 anos, foram determinantes para que eu me sentisse segura quanto à interlocução com os ceramistas.

A apreensão gerada pelas distâncias para com os meus entrevistados – regional, étnica, sócio-econômica, profissional, religiosa e etária, – e pelo então recente envolvimento com os projetos desenvolvidos pelo ArteSol, foi atenuada no meu primeiro contato com o grupo, realizado poucas horas depois de pisar em solo baiano.

Como em qualquer pesquisa de história oral, ao selecionarmos um elenco de protagonistas deparamo-nos, inexoravelmente, com diferenças e multiplicidades. O tom do relato -melancólico, eufórico, descritivo, lacônico, investigativo, jocoso, queixoso, bem-humorado, entre tantos outros possíveis – a maneira de estruturar a narrativa e compô-la, a fluência e musicalidade do depoimento, o nível de sensibilização do depoente frente às intervenções do historiador, a intensidade com que o entrevistado investe no pedido de rememoração e reflexão sobre a própria experiência, a maior ou menor gestualidade corporal, a maior ou menor expressividade facial, a tolerância ou não frente aos silêncios, as mentiras e imprecisões dos fatos narrados são alguns dentre os muitos dados (alguns mais evidentes do que outros) que revelam que o depoimento oral é sempre singular e que “fala” fundamentalmente da subjetividade. Não há como exilar e/ou esterilizar a subjetividade do documento oral. Sua onipresença passa a ser observada em toda a extensão do relato, nos conteúdos trazidos e na forma que ele assume.  Mas, afinal, não será este justamente o grande diferencial e aporte trazido pelo método de história oral para o conhecimento historiográfico, em outras palavras, conferir ao processo de produção subjetiva o caráter de objeto passível de investigação? Como afirma a historiadora Verena Alberti, a história oral é o “(... )terreno das diferentes versões e da subjetividade por excelência. Muitos não percebem, contudo, que a história oral tem o grande mérito de permitir que os fenômenos subjetivos se tornem inteligíveis – isto é, que se reconheça, neles, um estatuto tão concreto e capaz de incidir sobre a realidade quanto qualquer outro fato”. (Ouvir Contar – Textos em História Oral, FGV Editora, 2004, pg.09). No entanto, se a história oral nos dá a dimensão do valor e importância de cada indivíduo, ela também participa da consolidação de uma memória partilhada ao estabelecer um ethos comum que possibilita o estabelecimento de elos entre as várias trajetórias de vida.

Assim sendo, embora não tenha me defrontado com um script reincidente nos dez encontros realizados em Coqueiros (nove entrevistas com diferentes gerações de mulheres e apenas uma com um homem), entre os dias 12 e 17 de outubro de 2008, já que cada pessoa é um “amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados (Alessandro Portelli), houve uma disposição genuína comum a todo grupo em cooperar com a proposta. Com prudência e parcimônia, mas sem desconfiança.    

O pedido de curvar-se sobre si mesmo com o objetivo de resgatar memórias e vasculhar o sentido das experiências, razão de minha visita para Coqueiros, produziu, previsivelmente, uma espécie de “distração” no refrão que sintetiza o cotidiano das ceramistas, que permanecem de domingo a domingo trabalhando com o barro. Independentemente da maior malícia e destreza de alguns para a arte do diálogo, que evidencia, sem dúvida, personalidades mais exuberantes do que outras, lembrando-se que, sem exceção, todos sofreram as mesmas carências materiais e padecem ainda das mesmas adversidades, o que salta aos olhos e reverbera nos ouvidos é a função estruturante do barro. É a relação do barro que organiza o tempo, que permite a subsistência material, que favorece a sociabilidade, que confere legitimidade social, que dá lastro para a vida familiar. O barro é uma extensão do próprio corpo, e não há como se manterem clivados deste contato, relataram todos eles, cada um à sua maneira. Assim sendo, a linguagem que melhor sintetiza estas experiências de vida, mais do que a oral é, sem dúvida, a corporal. Impossível não se sensibilizar com a beleza e a integridade destas pessoas, ao presenciar a expressividade e bailado que fazem com as mãos, a desenvoltura das pernas, no recorrente levantar/agachar/sentar a que o trabalho obriga e o gingado de seus movimentos que transportam suas peças para expô-las ao sol e ao vento. A tradição ainda está viva e vibrátil e, portanto, ela prescinde de narração.

Mas se, por um lado, este vínculo visceral com o barro opera como marco social, pontilhando as memórias fugidias já que infância, juventude e maturidade aparecem de uma maneira turva e imprecisa, por outro ele aparece como interdito, é o que não pode ser transmitido para os “modernos”, como as ceramistas mais velhas se referem aos jovens. Há uma lucidez impiedosa sobre as dificuldades e mazelas relacionadas ao ofício: do momento da compra da matéria-prima, feita coletivamente, até a queima a céu aberto, realizada pelo grupo de mulheres (ressalto o gênero já que é eminentemente uma atividade feminina), em uma espécie de cerimonial religioso. O barro é o que dignifica as mulheres no presente, mas o barro não é, definitivamente, promessa de futuro, bonança e prosperidade. Ao interpelá-los sobre sonhos e utopias para o futuro, alguns se esquivaram do direito de sonhar, como se esta faculdade não estivesse ao alcance de suas possibilidades. Há uma resignação passiva à vida tal como ela se apresenta. Nos discursos mais engajados, por outro lado, há um pudor quanto á transmissão do ofício para as gerações seguintes. A mácula impregnada ao trabalho alui qualquer horizonte de ascensão social, econômica e cultural.

Nunca é excessivo alertar que as memórias e enredos colhidos decorrentes do diálogo estabelecido no contexto específico de comunicação entre pesquisador e entrevistado são sempre verdades parciais. Todo documento oral é sensível às diversas contingências em jogo. Desde interferências prosaicas como uma noite mal-dormida, uma cadeira desconfortável, um ruído insistente vindo da rua, até obstruções mais profundas como a existência de um grande trauma, a ausência de empatia com o tema e com o interlocutor. Assim sendo, o historiador que trabalha com fontes orais tem que aceitar humildemente os limites tácitos impostos por cada contexto específico, libertando-se do ideal positivista de apreensão total do sujeito/objeto investigado. Como adverte a filósofa Jeanne-Marie Gagnebin, “nem a beleza do mundo nem o sofrimento podem verdadeiramente ser ditos” ( Teologia e Messianismo no pensamento de Walter Benjamin, Estudos Avançados, n.37)

Por tudo isto, ao contrário do pesquisador que se debruça sobre a documentação escrita ou iconográfica, que luta para não ser sucumbido ou assombrado pela morbidez do passado e pelo fantasma da ausência, o pesquisador que se engaja com o método de história oral se defronta como seu avesso, com o excesso de vitalidade do presente e com a pujança da presença. Este pode ser uma das razões do feitiço que a prática de história oral provoca: a velocidade e a intensidade com que nos atira em universos desconhecidos.  Este convite feito corpo a corpo parece ser muito mais contagioso e perfurante que um papel amorfo. O fato de nunca estarmos devidamente preparados para o encontro, já que ele sempre nos reserva uma surpresa que não somos capazes de vislumbrar previamente, torna impossível brecar a convulsão que estes novos afetos podem provocar em nossa existência (no corpo, na memória, na percepção, nas construções inconscientes, na vida social, na relação com o trabalho). O enfrentamento concreto com a problemática anunciada no contexto da entrevista diluiu a sensação abstrata e etérea que muitas experiências e coletivos “dissonantes” provocam.

Antes de finalizar estes apontamentos sobre a viagem para Coqueiros, gostaria, por último, de destacar alguns aspectos que dizem respeito à escuta, que, no delicado equilíbrio da experiência do diálogo, deve estar pautada pelo mesmo comprometimento e entrega que a fala. Escutar o outro na sua alteridade pressupõe a suspensão temporária das próprias necessidades, expectativas, projeções e demônios íntimos. A disposição de promover um hiato de si próprio, exilando-se do bunker interior no qual o sujeito se sente plenamente proprietário, é uma premissa para o sucesso da comunhão que se espera selar no ato da entrevista.

Se a minha rápida intervenção em Coqueiros produziu ou não ressonâncias sobre os meus entrevistados, é impossível mensurar. Contudo, a pesquisadora, que naquele momento estava ávida por novas paisagens visuais e subjetivas, foi brindada, neste seu breve interlúdio no Recôncavo, com uma experiência abrasadora – de trabalho e de vida, daquelas que suscitam, inevitavelmente, ao serem evocadas, o gostinho de “quero mais”.